sábado, 26 de novembro de 2011

Precisa-se de professoras maluquinhas



Escritor, editor, repórter, cartunista, cartazista, desenhista, poeta, chargista, palestrante. A lista de ocupações de Ziraldo é longa e não pára de crescer. Os 130 livros infanto-juvenis que escreveu nesses 71 anos de vida e 23 anos dando palestras em colégios privados e particulares fazem dele, na sua própria definição, o maior Aspite (Assessor de Palpites Educacionais) do Brasil. E é nessa condição de aspite, de alguém que respeita os jovens e crianças ao não insultar suas inteligências, que Ziraldo recebeu a reportagem de Profissão Mestre. “Eu já disse para o Cristovam Buarque (ministro da educação) que é preciso mudar tudo na educação do nosso País”, conta. “A escola brasileira, em seu início, tem de ser formativa e não informativa”.
Preparando para a vida – Dessa visão de Ziraldo saem alguns conceitos revolucionários. Ele afirma, por exemplo, que não é contra a promoção automática. “Sou contra promoção e reprovação. Quando você dá o primeiro lugar para um menino, faz outros 30 meninos infelizes.”
Só que existe uma grande pressão por resultados, por boas notas. Em algumas instituições de ensino chega-se a fazer um “vestibulinho” para o ensino fundamental. As crianças, assim, são submetidas desde cedo a uma pressão, a uma cobrança dos pais que não é saudável, na visão do pai do Menino Maluquinho. “Eu sempre digo que o pior que um pai pode fazer pelo seu filho é fazer planos para o futuro dele, é prepará-lo para o futuro. A criança tem de ser feliz no presente. Se você agir assim, cobrando desempenho, você só vai angustiá-lo, não vai fazê-lo feliz. Menino que foi feliz vira um cara legal. E feliz é o menino que brinca, que volta para casa todo sujo. Eu não conheço nenhum canalha que tenha sido uma criança feliz”.
Assim, não é de se admirar que muitos alunos percam o gosto pelo estudo. A escola deixa de ser o lugar divertido, de descobertas que deveria ser e passa a ser um centro de pressão, disputas e estresse. “O problema é que as pessoas acham que a gente tem de sofrer para dar valor as coisas. Quando você exige que o seu filho tire dez em tudo, você só produz uma pessoa carregada, competitiva. Se você chega dessa maneira à idade da razão, na hora das decisões você vai usar uma razão deformada, que vê tudo como um jogo de ‘eu contra eles’. Nesse sentido, o maior inimigo da escola é o lar.”
O escritor acredita que seja por isso que o professor e os diretores devem trabalhar muito a família, trazê-la para dentro da escola. “Botar quem paga a mensalidade dentro da escola, discutir com eles”. Ziraldo afirma que essa característica, de envolver a família e a comunidade, é um dos setores em que muita escola pública leva vantagens sobre as escolas particulares: “A classe média e os ricos acham que pagam uma boa escola e isso basta. O operário tem sonho de ascensão, então ele participa mais da escola do filho, das reuniões de pais. Ele tem grande orgulho de ser pai e de estar ali. Ele quer que o seu filho tenha tudo o que ele não pode ter”, e completa dizendo que as coordenadorias e direções mais interessadas e atuantes que ele já viu estão em escolas públicas.
Professores maluquinhos – Que ninguém pense que essa visão é romântica ou alienada. Pelo contrário. Enfatizando o gosto pela escola, o amor pela leitura e a criatividade, Ziraldo está mais atual do que nunca. “Esse é um mundo onde precisamos, todos, sermos eternos aprendizes. Sem professores ao nosso lado, precisamos contar apenas com nossa curiosidade e nossa vontade de aprender”. E afirma que qualquer instituição de ensino pode estimular essas qualidades em seus alunos, se contar com um ingrediente: “o que mobiliza uma escola é sempre uma professora maluquinha. Uma pessoa absolutamente vocacionada, que em geral está sempre em conflito com uma diretora que não é vocacionada”.




Ziraldo conta que teve a sorte de ter uma “professora maluquinha” logo na primeira série. Ele conta que sua professora Cati chegava sempre com a bolsa cheia de livros e gibis e adorava contar histórias para os alunos. “Ela tinha 16 anos e não sabia de nada, mas adorava ler. Chegava na escola com a mala cheia de gibis. E lia os seus romances para nós. Quando tocava a sineta, nós entrávamos voando na sala porque queríamos ouvir as histórias e ler os gibis e livros que ela trazia”.

Alunos correndo para entrar em uma sala de aula, alegres. Quantas vezes isso acontece? Aquela professora fez com que todos passassem a ter o prazer pela leitura e pela escrita. E no final do ano todos os alunos foram reprovados. Os exames eram padrão, corrigidos na capital Belo Horizonte e a turma do Ziraldo não teve o conteúdo programático esperado. “Tomamos bomba, mas fazíamos redações maravilhosas. Dos 30 alunos da turma, seis viraram escritores.” É um começo da escola formativa defendida por nosso aspite.

E, no mesmo fôlego, ele afirma que falta de recursos ou de apoio não é desculpa para não ser um professor ou professora maluquinha. “Dá para fazer porque criar é tirar leite de pedra. Onde é que as civilizações nasceram? Nos lugares de intempérie. A criatividade é resultado das dificuldades. Então, neguinho diz que não fez porque não tinha recursos. E eu retruco: Ué, aí é que você tinha de fazer, pô.”

Ler por ler – Para terminar, Ziraldo deixa um alerta: a literatura não tem de ser exercício para nada. Não tem de ter contrapartida didática. O livro é maior que a vida, é maior que o próprio universo, pois o universo inteiro cabe dentro do livro. “Eu faço livro pela paixão pelo livro, eu faço livro para a criança gostar de ler, não para aprender conteúdos. O livro contém as duas coisas mais importantes do mundo, o tempo e o espaço. A palavra que vai dar sentido à sua vida é a palavra que está escrita. O sentido e o segredo da vida está escrito num livro”.


(Entrevista do Ziraldo a Revista Profissão Mestre)


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